31 julho 2008

Manderlay é um filme dirigido por Lars von Trier e cuja história se constitui como seqüência para Dogville, do mesmo diretor. A continuação tem diversas dimensões. Mas, a principal delas é, sem dúvida, a denúncia do racismo e de como funciona a opressão. Não só nos Estados Unidos, nem apenas em seu aspecto ativo, mas também em sua forma passiva e universal.

No início do primeiro filme da trilogia, Grace chega a Dogville fugindo da arrogância de seu pai. Disposta a provar que ser humilde e servir as pessoas é o caminho da harmonia na vida social. No início de Manderlay, Grace está deixando para trás uma Dogville arrasada. Depois de sofrer todo o tipo de humilhação e violência por parte dos moradores do lugarejo, Grace deixa se convencer por seu pai, que despreza seu amor tolo pelas pessoas. Ela permite que os capangas de seu pai queimem Dogville e matem seus habitantes.


Voltando para casa com seu pai (Willem Dafoe), Grace (Bryce Dallas Howard) se depara com uma fazenda em que a escravidão continua, 70 anos após seu fim oficial nos Estados Unidos. O local chama-se Manderlay e fica no Alabama, estado do sul do país. Grace usa as metralhadoras e rifles dos capangas de seu pai para obrigar a proprietária do local a libertar os negros cativos. Os recém libertos reagem com temor e desconfiança. O negro veterano Wilhelm (Danny Glover) acha que terão dificuldades para se adaptar à liberdade. O orgulhoso Timothy (Isaach De Bankolé) desconfia das intenções da moça branca e rica. Contra a vontade de seu pai (Willem Dafoe), Grace resolve ficar e provar que a liberdade é melhor que qualquer escravidão. Mas não abre mão de fazer isso acompanhada de alguns homens armados.

Com a morte súbita da proprietária do local, Grace e os negros libertos assumem a administração da fazenda. Os problemas são muitos e começam com a indiferença dos negros em relação ao plantio do algodão na época certa para sua colheita. Mas o maior obstáculo é a resistência dos negros em considerar sua nova condição de trabalhadores livres superior à anterior. Em certo momento Wilhelm afirma que a libertação alcançada 70 anos atrás pouco mudou a situação dos negros. Em resposta, Grace cita os “40 acres de terra e uma mula” que foram prometidos a cada negro liberto no fim da Guerra Civil americana. Wilhelm diz que tal promessa nunca foi cumprida. E é verdade. O que era para ser uma reforma agrária voltada para os negros jamais foi feita. Virou um mito.

Manderlay não é tão bom quanto Dogville, mas mesmo assim é muito bom. Apesar do cenário desta vez não surpreender, a partir do ponto que aqui você já espera pela falta do mesmo, o filme conta com momentos brilhantes. O que chama a atenção é a iluminação (ou a falta dela) que leva o filme a se tornar extremamente escuro, criando um clima angustiante. Grace, a bem-intencionada filha de gângster que no primeiro filme era interpretada por Nicole Kidman, reaparece em Manderlay na pele da igualmente talentosa Bryce Dallas Howard. Nicole Kidman pretendia também atuar em Manderlay, mas teve que desistir do filme em julho de 2003 devido a conflitos de agenda. Talvez o grande problema do filme seja o tempo que você leva para se acostumar com Bryce no papel de Grace. É provável que você nem chegue a se acostumar. A filha de Ron Howard não consegue em momento algum passar para o telespectador a força que Nicole passava. Bryce, que apareceu recentemente em destaque para o mundo com sua grande performance em A Vila, veio a ser uma substituta à altura: a atriz tem características físicas semelhantes à Grace original (pele bem clara e cabelos de cor parecida), e talento suficiente para impor-se em cenas difíceis (e há várias delas), ainda que a experiência não seja muita; o problema é compará-la com Nicole.



  • Título Original: Manderlay
    Gênero: Drama
    Tempo de Duração: 139 minutos
    Ano de Lançamento (Dinamarca / Holanda / Inglaterra / Suécia / França / Alemanha): 2005
    Distribuição: California Filmes
    Produção: Vibeke Windelov
    Fotografia: Anthony Dod Mantle
    Figurino: Manon Rasmussen
    Edição: Bodil Kjaerhauge e Molly Marlene Stensgard
    Estúdio: Zentropa Entertainments / Film i Väst / Manderlay Ltd. / Edith Film Oy / Isabella Films B.V. / Memfis Film & Television / Sigmall Films Ltd. / Ognon Pictures / Pain Unlimited GmbH Filmproduktion.






    A Máquina da Opressão


    MANDERLAY Por Sérgio Domingues


    Na verdade, para Lincoln os negros eram inferiores. Nem mesmo a Guerra Civil teve como única causa o fim da escravidão. O debate em torno do cativeiro negro era mais um pretexto na briga entre os brancos do sul e do norte do país. Os primeiros queriam manter sua autonomia e as atividades ligadas às grandes plantações. Os segundos queriam mais centralização política e expansão da indústria. Abraham Lincoln entrou para a história como “o libertador”, mas considerava os negros inferiores e defendia sua volta à África. Em plena guerra, Lincoln decretou o fim da escravidão apenas nas regiões controladas pelos sulistas para privá-los da força-de-trabalho negra e enfraquecer seu esforço de guerra.

    Terminada a guerra, a necessidade de manter a união entre os brancos fez com que os nortistas fechassem os olhos à criação da Ku Klux Klan, em 1866. Um pouco mais tarde, vieram as leis de separação nos estados do sul. Negros não podiam freqüentar os mesmos lugares públicos que os brancos. O filme de Lars Von Trier se passa em 1933. Seriam necessários mais 32 anos de muita luta para que essas leis caíssem. No norte, elas não foram necessárias. Os negros eram muito poucos e um racismo informal como o que conhecemos no Brasil era suficiente.

    Outro mito que se construiu é a de que o racismo declarado dos Estados Unidos teria permitido aos negros que reagissem e progredissem. Não é bem assim. Além do que nos mostrou a tragédia do Katrina, há números bastante evidentes. Em 2005, o desemprego entre os negros é de 10,8%. Entre os brancos, é de 4,7%. Mais de 70% dos brancos têm casa própria, contra menos de 50% dos negros. Os negros têm três vezes mais chance de ir para a cadeia. O total de rendas de uma família negra é 10 vezes menor do que de uma branca.

    De qualquer maneira, essa situação não justificaria o que parece ser o conformismo dos personagens negros do filme. Mas, há aí outra dimensão do racismo ou de outras formas de preconceito e discriminação. Em primeiro lugar, não nos esqueçamos que a escravização negra dos séculos 16 a 19 deve ser o maior caso de aprisionamento e deslocamento forçado de seres humanos em toda a história de nossa espécie. Milhões de pessoas foram transferidas para as Américas em navios que eram verdadeiros matadouros. Vieram para trabalhar numa terra desconhecida, em condições terríveis e sob extrema violência.
    O segredo é conquistar as almas

    Mas, não só isso. Todo um corpo de teorias com pretensões científicas foi criado para justificar esse crime sem antecedentes. O racismo, como teoria da superioridade da “raça branca” sobre “as outras”, foi criado para justificar a escravidão negra. Portanto, não se trata apenas da repressão, da violência, das correntes, do tronco e do chicote. Trata-se também de dominação ideológica, de convencimento e justificação. É por isso que damos o nome de opressão a esse tipo de dominação. Não se trata apenas de repressão, mas de fazer o oprimido internalizar o preconceito e a ele se acomodar. Infelizmente, é um mecanismo bastante eficiente. Afinal, é mais provável que o negro, a mulher, o homossexual, sem consciência sintam culpa pelo que são do que enxerguem o erro na perseguição que vem da sociedade. A tendência é assumir a inferioridade que lhes atribuem e justificar a discriminação.

    Esse parece ser o caso dos negros de Manderlay. Eles continuam, por exemplo, a comparecer no pátio na hora em que a senhora branca (Lauren Bacall) determinou, mesmo após a morte dela. No entanto, os desdobramentos posteriores do filme não permitirão que as coisas sejam explicadas apenas por isso. A internalização da opressão não leva apenas à passividade. Também estabelece as bases para um pacto terrível e resistente, em que os oprimidos se acomodam à situação e a reproduzem. A isso, chamamos hegemonia. Não é apenas a repressão e a dominação política. Não se trata de prender braços e pernas, convencer a inteligência ou vencer pelo estômago. É o mesmo que conquistar as almas. E, aí, a máquina da opressão funciona às mil maravilhas para os que estão por cima. Não só nos Estados Unidos, mas onde quer que relações de dominação existam.

    O grande achado de Manderlay é a postura de Grace. Ela praticamente obriga os cativos a se libertarem, lembrando uma estranha e perigosa frase atribuída a Che Guevara: “É preciso libertar os homens, mesmo que eles não queiram”. O pai de Grace cita o exemplo do passarinho acostumado à gaiola, que morre quando o libertam porque já não sabe voar. Se isso é verdade para os negros de Manderlay, Grace também cai prisioneira de uma armadilha. Não se trata de negar a violência que os dominados são obrigados a utilizar para responder à violência dos dominadores. O problema são as soluções autoritárias para situações de injustiça. Alternativas que acabam aprofundando a própria lógica da injustiça. Um problema enorme, enfrentado por todas as revoluções. Que Grace não tenha apresentado soluções para isso não é o mais grave. Grave é o fato de suas ações terem acabado por manter a máquina do racismo em funcionamento.

    Este é o segredo do combate à dominação de classe. Combinar resistência e o combate à exploração e à violência com o desmonte dos mecanismos de dominação ideológica. O final surpreendente de Manderlay pretende mostrar que, tal como o relógio que foi regulado de forma imprecisa, a luta pela liberdade humana não pode abrir mão de um entendimento claro do que seja a auto-emacipação dos explorados e oprimidos. Em Dogville, Grace adota a servidão e acaba escrava. Em Manderlay, a personagem cede à arrogância bem intencionada e torna-se autoritária. Entre a servidão do primeiro e a arrogância do segundo, esperemos que Von Trier nos apresente uma proposta interessante no terceiro e último filme.




    O Povo da Lei


    MANDERLAY por Bernardo de Gregorio


    Mais uma vez é o título que nos revela a verdade por trás das aparências. “Manderlay” é um trocadilho com o termo “vanderlay”. “Van der lay” em Holandês significa “da condição”, “da configuração”, “da lei” (sim: que em Português originou o nome “Wanderley”). “Manderlay” significa então “gente da lei” e abre-se uma leitura nova do filme para além óbvia apresentada por Lars von Trier. Se Dogville narra o Novo Testamento, mostrando o Cristianismo de seus primórdios até o Apocalipse, Manderlay nos mostra o Velho Testamento: o Pentateuco (do Grego, "os cinco rolos").

    O Pentateuco é composto pelos cinco primeiros livros da Bíblia. Entre os judeus é chamado de Torah, uma palavra da língua Hebraica com significado associado ao “ensinamento”, “instrução”, ou especialmente “Lei”. O texto é atribuído a Moisés e se compõe pelo Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Manderlay fala-nos então sobre a Lei de Moisés e suas origens na História longínqua e na psique humana. Portanto “Manderlay” é também “o povo da Lei”. Estes preceitos com cerca de cinco mil anos de idade formam a base moral da doutrina hebraica (e por conseqüência, da cristã e da islâmica) e distinguem aqueles que são considerados “puros” daqueles que são “impuros”. Os chamados “verdadeiros judeus” devem se manter “pios”. Estas leis, conhecidas como Leis Mosaicas, foram escritas com a clara finalidade de regulamentar a religião e de infundir valores de higiene e de medicina preventiva entre o “Povo Escolhido”. De uma forma ou de outra, os judeus adotaram para si estas leis como sua “marca registrada” e com o passar dos séculos, a Lei Mosaica passou a ser a forma mais simples de fazer a distinção clara entre o povo judeu (os “puros”) e os demais povos da época (os “ímpios”). Desta forma, as restrições alimentares (como a restrição à carne de porco ou ao consumo de moluscos e crustáceos), o respeito às festas judaicas (como o “Pessach”), aos rituais judaicos (como a circuncizão) e a observância restrita à manutenção da raça judaica passaram a ser características intimamente ligadas à própria noção de Israel (o povo judeu).

    A “velha senhora”, a dona da fazenda é a Lei Mosaica. Sob seu leito de morte jaz um livro onde a Lei foi imortalizada: a Torah. Ao morrer a velha senhora sugere que o livro seja queimado. Ou seja: se a Lei Mosaica já não mais se aplica, a Torah em si deveria cair em desuso. Grace, extremamente arrogante, guarda o livro para si e desde o início se coloca contra a escravidão e contra as leis da velha senhora. Grace clama por liberdade de forma arrebatada, apoiando-se na força de seus capangas para “libertar” o povo escravizado pela lei. Grace é novamente a revolução do Cristianismo que veio para fazer a “Nova Aliança” com Deus e trazer a “Nova Lei” que figurará no lugar da antiga. O “Novo Testamento” que suplantará o “Antigo Testamento”. O “amor” que veio substituir o “olho por olho” (o quid pro quod de Dogville). Para instituir a democracia naquela sociedade aristocrática Grace organiza reuniões de livre debate, mas para obter quorum em suas “reuniões” ela necessita obrigar, sob a mira de metralhadoras, os habitantes a comparecerem. Democracia estranha... Não há como desassociar essa democratização empreendida por Grace, com as atitudes do governo americano em relação ao Iraque, entre outros atos de "democracia à força". Será que as pessoas podem ser forçadas a seguir esse modelo? Os libertados de Manderlay, por exemplo, não mostram qualquer tipo de iniciativa. Grace não desiste e, em seminários, começa a ensiná-los a agir democraticamente, utilizando os votos da maioria, deixando para trás as decisões arbitrárias. Esta “democracia” imposta nas estranhas “assembléias” de Grace referem-se claramente às “assembléias de Deus”. “Assembléia” se diz eklesia em Grego: Igreja. A “salvação” imposta pela força é marca registrada deste Cristianismo que se arvora o status de “super potência” durante toda a Idade Média e Renascimento e quizás ainda hoje.

    A “Nova Aliança” fica então sacramentada com um contrato firmado por todos e redigido por Joseph, o gangster especialista em leis: o “Novo Testamento”. Os escravos tornam-se os novos donos da plantação e os ex-donos tornam-se os novos escravos. Existe até mesmo uma cena em que eles se apresentam com os rostos pintados grotescamente de preto. Estes ex-donos são evidentemente os judeus que desde a destruição do Templo de Jerusalém em 60 dC, a Diáspora, se viram perseguidos pelo mundo afora: da Inquisição à Segunda Guerra Mundial.

    Uma esquizofrenia foi vivida com a expansão do Cristianismo. Os extremos foram cultuados e vividos de forma dramática: a Bíblia era tida como a “vontade expressa do Senhor”, revelações incontestáveis do divino. Paradoxalmente judeus eram perseguidos e mal vistos devido sua rejeição ao Filho do Homem, o Cristo. Ninguém parece nunca ter se atentado para o detalhe de que Jesus, todos seus familiares e seguidores terem sido efetivamente judeus... Os infiéis precisavam ser “salvos” a todo custo. Tais fatos “justificaram” as Cruzadas, por exemplo. Evidentemente as Cruzadas foram geradas principalmente pela falta de terras disponíveis aos nobres sem-terra (filhos mais novos sem direito a herança) e ao crescimento da pobreza na Europa. O anti-semitismo foi apenas um pretexto que sobreviveu por milênos, apesar da noção de igualdade e de universalidade proposta pela Igraja Cristã. Da mesma maneira nos Estados Unidos há “liberdade e justiça para todos”, ao lado de classificações raciais que continuam a vigorar e de uma injustiça social que corrompe a sociedade subterraneamente.

    Todo o tempo Grace fala em nome da liberdade: remodela todos os costumes e hábitos e até mesmo o horário do relógio é discutido. O Cristianismo igualmente muda até mesmo a contagem do tempo, criando um novo calendário, dividindo as águas do mar do tempo entre: “antes de Cristo” e “depois de Cristo”. O dia sagrado, o “sétimo dia” (“shabat”, “sábado”) em que Deus descansou, também foi mudado: agora reverenciaremos o domingo, “o dia do Senhor”. "Lembra-te do dia do Shabat, para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o Shabat do Senhor teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou o Senhor o dia do Shabat, e o santificou" (Êxodo 20:8-11). Graves conseqüências aguardam por Grace no final do filme por esta hybris de ter mudar a contagem do tempo a partir do voto...

    Mas a chave para o entendimento da ação está visível todo o tempo no centro do cenário: “o poço de Lúcifer”. Nome estranho para um poço. Quem é este Lúcifer? Conta-nos o mito hebraico que Lúcifer, o Portador da Luz, era o mais belo dos anjos (na verdade um arcanjo) e recusou-se a cuidar da Humanidade por se achar superior a esta tarefa. Como punição, Lúcifer foi condenado a habitar as entranhas da Terra, onde criou para si um mundo de luz e calor, de onde arrebanha legiões de demônios que lutam a seu favor e alicia almas humanas propondo-lhes pactos e oferecendo-lhes prazeres sensuais. Lúcifer luta pela liberdade e pelo prazer sem esforço e deseja, em sua revolução, que todos os espíritos se libertem da tirania de Deus e suas Hostes. Lúcifer, transformado em serpente, ainda foi o responsável pelo Pecado Original que levou à queda a humanidade. Se você pergunta para cristãos quem é Lúcifer, a maioria deles provavelmente lhe contará esta história sobre Lúcifer como sendo um anjo que foi expulso do Céu porque ele era orgulhoso e quis assumir o comando do Paraíso, ou algo do tipo. Interessantemente a Bíblia não diz tal coisa, e a história de Lúcifer é uma dessas histórias que são apenas algum tipo de tradição oral que tem sido veiculada com o passar do tempo por pessoas que nunca gastaram seu tempo em pesquisar as origens da mesma. Se você fizer uma procura na Bíblia, verificará que a palavra "Lúcifer" só é encontrada em Isaias 14:12. “como foste tu se caído do céu, ó Lúcifer, filho da alva”. Mesmo assim, a maioria das versões da Bíblia não usa a palavra "Lúcifer": “como caíste do céu, ó estrela matutina, filho do amanhecer”. O original hebreu lê-se “oh Helel, filho de Shahar”. Shahar era um Deus babilônico do amanhecer, e Helel era o filho dele, a estrela matutina, o qual nós chamamos de Vênus. Shahar teve um irmão gêmeo chamado Shalem, que era associado ao crepúsculo e o aparecimento de Vênus à noite (estrela vespertina). Jerusalém quer dizer "Casa de Shalem" do qual vem da adoração do planeta Vênus como uma estrela da noite. A idéia de "siga em paz” ou "a paz esteja com você" se originou de histórias de Vênus que adentra à noite ao mundo dos criminosos. “Shalem” tornou-se “Shalom" com o passar do tempo.

    Este poço é pois a ligação entre “o mundo de baixo” e o “mundo de cima”, inconsciente e consciente. Dele vem a água que alivia o tormento de todos e irriga a plantação. Dela vem a libertação. Lúcifer é luz, beleza, prazer e liberdade. O autor do Apocalipse reivindica que Cristo, chamado no texto como “o Cordeiro”, referiu-se a si mesmo como "Estrela Matutina”, o que entra em conflito com a idéia de que Satanás é um anjo caído nomeado Lúcifer ou “estrela de manhã”. “Eu, Jesus, enviei meu anjo, para vos testificar estas coisas nas igrejas: eu sou a raiz e a geração de David, e a resplandecente ‘estrela matutina’” (Apoc 22:16). Jesus chama a si mesmo de “estrela matutina”, da mesma maneira que Vênus era uma estrela matutina e uma deusa de amor para os romanos. É suposto que Jesus expressa a idéia de amor incondicional, da mesma maneira que Vênus e muitas de suas antigas personificações expressaram idéias de amor e beleza e brilho. Grace vem em nome destas mesmas virtudes. Trata-se do novo se impondo ao velho, do revolucionário ou, se quiserem, do subversivo. Esta é a natureza de Lúcifer, esta é a natureza de Cristo, esta é a natureza de Grace.

    Porém, com o decorrer do filme, as inovações de Grace vão se mostrando problemáticas e vão acarretando uma série de desequilíbrios e aberrações no meio ambiente local e na micro-sociedade de Manderlay. Aos poucos o expectador vai entendendo que a Lei da Senhora havia sido criada com sabedoria e era a responsável pela harmonia do lugar. A culminação deste processo é quando Grace se vê forçada ela mesma a utilizar o sistema de classificação psicológica que faz parte da Lei da Senhora para compreender as atitudes de Timothy. No final do filme Grace se vê de chicote em punho espancando ela mesma um negro, na exata mesma atitude em que encontrara a velha senhora. Numa revelação aterradora, descobrimos que o autor da lei não havia sido nem a velha senhora nem nenhum branco, mas o experiente Wilhelm, ele mesmo um negro escravo. A Lei havia sido então uma maneira encontrada de manter o status quo depois da abolição da escravatura, protegendo os negros de um mundo hostil. Como ocorre em muitos dos filmes de von Trier, a idealista personagem principal é chocada e frustrada pela realidade dos fatos.















22 julho 2008










O filme chama a atenção pela simplicidade de seus cenários e cortes de cenas não convencionais. Todo o filme foi filmado dentro de um galpão localizado na Suécia com o mínimo de artefatos, há poucas mesas e algumas paredes, mas normalmente há apenas marcações no chão indicando que ali é a casa de tal pessoa, ou há um arbusto. Apesar dos personagens fazerem constantes referências a paisagem, ou ao céu, o fundo é infinito, tendo constantes alterações de luz e cor que indicam mudanças de dia/noite, clima e de momentos importantes do filme. O filme ainda tem um narrador onisciente e é o próprio Lars von Trier quem controla a câmera.

Tudo isso são artimanhas do diretor para que o público não se esqueça de que assistem a uma peça de ficção, valorizando o trabalho dos atores. O resultado é aberto a opiniões: alguns espectadores saem maravilhados com a sensibilidade com que Lars retrata a arrogância humana e a atuação brilhante (Nicole Kidman, vencedora do Oscar por “As Horas”), outros acham o filme longo e maçante (o filme tem quase três horas de duração).

Dogville apresenta claras referências visuais e influências de produção herdadas do movimento Dogma 95, manifesto cinematográfico que foi iniciado pelo próprio Lars Von Trier. Em Dogville temos a ausência de trilha sonora no filme, câmera na mão, não há deslocamentos temporais ou geográficos. Entretanto, em Dogville há a presença de gruas, iluminação artificial e cenografia, itens que eram proibidos no Manifesto Dogma 95.

Existem visíveis influências teatrais em Dogville, como o teatro de Bertolt Brecht, que costumava colocar avisos de 'atenção, não se emocione, isso é ficção' em suas peças; o teatro caixa preta, realizado em um único cenário com as paredes todas pretas, e finalmente o teatro do absurdo, onde os atores improvisam e criam situações onde interagem com objetos imaginários.

Percebe-se na construção da trama e no foco humanista do tratamento dos personagens influências de escolas de filosofia, especialmente as gregas. Por duas vezes cita-se nos diálogos os ensinamentos dos estoicistas, uma escola que pregava o abandono da emoção para vivermos sem dor. E muito da moral da história gira em torno da diferença entre o altruísmo - dar sem esperar nada - e o quid pro quod - que exige uma compensação equivalente para cada ação.

O filme é dividido em 10 partes - cada uma com créditos e uma introdução narrada -, sendo 1 prólogo e 9 capítulos. A trama acontece em um único local, uma cidade pequena dos Estados Unidos chamada "Dogville", situada no fim de uma estrada que vai até as Montanhas Rochosas, na época da grande depressão estadunidense.

O filme começa com uma tomada de cima para baixo, onde pode-se ver o desenho da cidade (com as marcações dos espaços das casas desenhados no chão). Essas tomadas perpendiculares repetir-se-ão em diversas cenas, sendo marcos importantes da narrativa. O narrador vai então apresentando os personagens um por um ("todos têm pequenos defeitos facilmente perdoáveis") e contando suas histórias.



Entre os moradores de Dogville, o personagem principal é Thomas Edison Jr., um escritor que para protelar o dia em que terá que começar a escrever seu livro se ocupa em pregar sermões a toda a comunidade sobre rearmamento moral. Ele está procurando um exemplo para servir de ilustração às suas teorias e assim comprovar que os moradores não são capazes de aceitar novas situações, quando é interrompido por barulhos de tiros a distância. Nesse momento entra Grace, uma bela jovem com um vestido que denota sua origem de família rica. Ela diz a Tom que está fugindo de um gângster e Tom, percebendo nela o exemplo perfeito para sua palestra, lhe dá cobertura.

Os moradores de Dogville a princípio recusam-se a aceitá-la, e Tom propõe que dêem a Grace um prazo de duas semanas, para então decidirem sua sorte. Grace, em compensação, deve ajudá-los em tarefas cotidianas. Apesar de não admitirem, eles jamais dão coisa alguma, não há generosidade ou aceitação: há um sistema de trocas e é esse sistema de compensações (o quid pro quod) que, aliado à personalidade de perdoar de Grace (seu altruísmo), anuncia a tragédia.

Os moradores relutam até mesmo em aceitar a ajuda de Grace, mas acabam aceitando e Grace rapidamente começa a passar seus dias ocupada em fazer pequenas coisas que "não são necessárias", mas que os moradores "generosamente permitem" que ela faça. E assim passam-se as semanas, os moradores aceitam que Grace fique na vila, como mais um favor que ela ficará devendo a eles. Tom confessa a Grace que gosta dela e é correspondido, mas ele não assume publicamente seu amor perante Dogville, mantendo o romance deles secreto e mantendo Grace na condição de estrangeira.



A aparente tranqüilidade da situação começa a mudar no dia da Independência, quando a cidadezinha recebe a visita da polícia, que afixa um cartaz onde Grace é apontada como procurada. Os moradores de Dogville consideram ainda maior a dívida de Grace com eles, fazendo cada vez mais exigências, que diante da permissividade e comportamento passivo de Grace, rapidamente transformam-se em abusos. Uma cena forte do filme é quando Chuck a estupra, como "pagamento" para que ele não a denunciasse às autoridades. Aqui a função do cenário vazio é clara: a ausência de paredes dá a nítida percepção de que todos sabem o que se passa, mas fingem não ver. A comunicação também não parece ser possível para os moradores de Dogville. O que eles falam passa longe de significar o que realmente querem dizer. Quando questionados são evasivos, mudam de assunto ou simplesmente respondem outra coisa. Chuck fala de colheita de maçãs quando está querendo abusar sexualmente de Grace, e Ma Ginger reprime-a quando ela passa entre os arbustos, com argumentos que simplesmente não correspondem àquilo que ela diz.

Desse ponto em diante a constante dívida de Grace com a comunidade só cresce e ela torna-se uma escrava não só de trabalho físico como sexual. Em pouco tempo a tratam como uma vaca, que puxa um arado, onde os caipiras se aliviam. Somente Tom, sem capacidade de tomar qualquer atitude, não a viola. E é após ela o rejeitar, que ele decide dar um basta nessa pequena metáfora ilustrativa que ela representa, chamando o gângster que a procurava. Nesse momento revela-se que Grace não está sendo ameaçada por eles, mas é a filha do chefe maior. Não há surpresa no final: desde que Grace entra no carro o diretor vai preparando a platéia com a idéia de que haverá um massacre. E sem dúvida, não fosse este final apoteótico, o filme terminaria morno, indigesto, como se todos estivessem com algo na garganta. O final catártico faz com que Dogville apresente uma estrutura narrativa herdeira das tragédias gregas, onde a platéia era levada a uma situação de tensão insuportável e liberava a adrenalina contida no final trágico.

Desde sempre, quase toda obra de arte é, em última instância, um retrato do ser humano. Lars von Trier não parece perdoar alma alguma, e faz um retrato de pessoas cruéis, mesquinhas, egoístas e arrogantes. Tom é um covarde, incapaz de assumir responsabilidade alguma (o drama de Grace começa no dia da Independência, quando ele não assume o romance com ela). Os habitantes da vila são "cães" que se comportam de forma instintiva, guiados pelas suas necessidades físicas e seus próprios interesses.

Nem mesmo a protagonista, Grace, é perdoada. Se ao longo do filme somos levados a vê-la como possuidora de uma generosidade infinita, o capítulo final mostra que não: se ela perdôou e permitiu que fizessem dela tudo o que foi feito é porque se considerava acima de todos, superior e indiferente como um "deus olímpico". Grace jamais foi cativa ou submissa, nunca sentiu real misericórdia e sim, desprezo. A todo momento temos a impressão de que, se ela realmente quisesse, poderia simplesmente ir embora, e que portanto os verdadeiros prisioneiros são os moradores - e ela sabe disto.






Na cena final há mais um elemento por trás de Grace: a platéia. Se a platéia passou o filme sofrendo com a passividade de Grace diante das brutalidades, agora se regozija, conscientemente ou não, concordando (e gostando) do massacre a que assiste. Essa é a forma do diretor dizer ao público: vêem? Vocês fariam o mesmo. Dogville é a antítese do bom selvagem de Rousseau. Sequer os bebês são sem pecado, apenas talvez o cão, que esse nada fez contrariando sua natureza animal e permanece o filme todo "preso" em sua corrente.

Nos Estados Unidos muitos espectadores sentiram-se ofendidos, acusando Lars von Trier de antiamericano. O fato de ele jamais ter visitado os Estados Unidos e de fotografias do período da depressão e de pessoas miseráveis estadunidenses serem usadas durante os créditos finais, ao som da música “Young Americans” de David Bowie, não depuseram a seu favor. Mas Dogville poderia ser uma cidade em qualquer lugar, em qualquer época.





Título Original: Dogville
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 177 minutos
Ano de Lançamento (França): 2003
Distribuição: Lions Gate Entertainment / California Filmes
Produção: Vibeke Windelov
Fotografia: Anthony Dod Mantle
Desenho de Produção: Peter Grant
Figurino: Manon Rasmussen
Edição: Molly Marlene Stensgard
Estúdio: Canal+ / 4 1/2 / Alan Young Pictures / Det Danske Filminstitut / Edith Film Oy / Film i Väst / Hachette Première / Isabella Films B.V. / J&M Entertainment / KC Medien AG / Kushner-Locke Company / Kuzui Enterprises / Liberator Productions / MDP Worldwide / Memfis Film & Television / Pain Unlimited GmbH Filmproduktion / Q&Q Medien GmbH / Sigma Films Ltd. / Slot Machine / Something Else B.V. / Summit Entertainment / Sveriges Television / Trust Film Svenska / Zoma Ltd. / Zentropa Entertainment / What Else? B.V.





DOGVILLE por Mozart Cabral




Escrito e dirigido por Lars Von Trier em 2003. Com Nikole Kidman, Paul Bettany, Harriet Anderson, James Caan, Lauren Bacall, Ben Gazzarra, John Hurt (o narrador-off) e outros maravilhosos atores numa dramaturgia de causar inveja a qualquer um que siga os padrões hollywoodianos. Este é o primeiro filme de sua trilogia: “América, terra das oportunidades”, ao qual seguirá “Manderlay” (2004) e Washington (2005).

É uma parábola da sociedade americana atual: um povo com medo. Onde o estrangeiro é sempre uma ameaça para os medíocres, apegados a seus preconceitos, sua moral hipocritamente puritana, seus valores calvinistas. Sua moral reduzida ao “toma lá dá cá”. Seres incapazes de generosidade. Sem compaixão. Afinal, um filme de gângsteres!

A quebra da bolsa dos anos 30 nos EUA e suas conseqüências sociais são o pano de fundo deste vilarejo “de fim de mundo” que nos é apresentado por Tom -- um aspirante a escritor de forma muito distanciada --, quase como se fosse, ele mesmo, um personagem em toda aquela história que nos torna menor moralmente.Quando, divagando solitariamente numa noite, entre elucubrações de como deveria agir moralmente naquela comunidade... Ouve tiros nas proximidades: Grace – como se fora uma indefesa raposina felpuda procurando uma toca para se esconder daquiloque poderia ser uma caçada perpetrada por dálmatas e galgos, que vêm ao seu encalço, -- vai parar naquela mina abandonada até que passe, momentaneamente, aquele perigo. Tom sente-se logo atraído por ela, mas reprime os seus instintos – como um rapaz deveria tratar uma dama que poderia vir a ser sua mulher, -- mas faltava-lhe o essencial, aquilo que era indispensável naquela situação toda: a coragem! Mas não, era um verdadeiro bunda mole. Um cabra frouxo, como se diz num bom nordestês. Que fleuma, que o cara tinha. Um lorde miserável, mas sem nobreza de espírito. Pensou que tinha conseguido tirar o corpo fora daquela situação cada vez mais conflituosa, lucrando uma boa grana e ainda conquistar politicamente aquele povoado desalmado: pagou caro. Ela agiu de forma nietzschiana! Vingança cruel. Grace – quase uma “Branca de Neve” -- que esperava encontrar em Tom o seu príncipe encantado, beijou na realidade um sapo!

Nesta “Canina Tragédia Desumana”, Von Trier faz com que a nossa heroína, desça ao “mundo dos mortos”, acompanhada – não por um Virgílio, mas – por uma espécie de escriturário, o Tom – sem nenhuma música – que vai lhe mostrando todas as fraquezas humanas: a vaidade daquele cego, o orgulho do médico pé-de-chinelo, a cobiça da mulher do próximo, o filho que rouba o pai, a mesquinhez das comerciantes, a inveja que as outras mulheres tinham de sua beleza nobre etc. Bem, ali é onde todos vão pagar os seus pecados.

Ela, além de ter uma relação edipiana com pai, recusa-se a assumir seus negócios escusos no mundo do crime, e vai parar num mundo de “anões” – homenzinhos, nibelungos sem um Siegfried! – que vivem sós para o trabalho, sem prazeres corporais, covardes, aniquilados pela recessão econômica. Agiu como uma arma de destruição em massa: assumindo o lugar do pai na máfia daquela região.Tornasse finalmente adulta. Passa a ser a matriarca da organização, e mostra que é capaz de “executar certas coisas que se tem que fazer pessoalmente”. E faz!

Seres humanos reduzidos à sua animalidade hobbesiana. Ali podemos ver também o que se chama de “homem comum” agindo dentro daquele contexto que vai cada vez mais sendo pressionado para o seu desenlace inevitável: chamar o ladrão, e não a polícia, que poderia comprometer todos eles criminalmente por mantê-la oculta da justiça, não a informando à polícia.



Grace acredita que o cão agia pela sua natureza, já os humanos, não. Creio que Trier acredite nisso também. Os homens não teriam natureza, já que o que eles são, é determinado pelo seu ser social e suas relações com uma sociedade historicamente determinada, neste caso, a recessão econômica dos EUA; as fotos finais nos créditos do filme mostram como o capitalismo destruiu aquelas pessoas moralmente, produzindo aquele tipo de espírito tacanho. Não deveriam ter-se comportado daquela forma que nos empobrece quando estamos numa situação de clara vantagem, e não damos abrigo a quem precisa, sem nada querer em troca. Ora, qualquer um poderá se ver casualmente numa situação semelhante, e gostaríamos de sermos socorridos por mera solidariedade desinteressada. Não é verdade? Assim é que se deveria fazer.

A sociedade americana de hoje se comporta de modo semelhante com os latinos, árabes, orientais, negros, ou com quaisquer despossuídos de uma forma geral, que potencialmente possam lhe causar futuramente algum tipo de perigo. O forasteiro é sentenciado pelo simples fato de ser de fora, mera condição estabelecida por eles, mesmo sendo, sabidamente por todos, inocente. Merecem, portanto, serem tratados com esta reciprocidade. Princípio do Direito Internacional.

Quando qualquer um faria teatro filmado daquilo, Von Trier fez cinema épico da melhor qualidade no sentido que lhe dava Brecht. Fugindo do cinema emocional praticado por Hollywood: o dramático. ”Na forma dramática, o espectador diz: Sim, eu também senti isso. – É assim que eu sou. – Sempre será assim. – O sofrimento desta pessoa me compunge porque não há saída para ela. – Isto é a verdadeira arte: tudo é evidente por si mesmo. – eu choro com aqueles que estão chorando e rio com aqueles que estão rindo. Já na forma épica, o espectador diz: Eu não teria pensadonisso. – Não se deve agir assim. – Isto é verdadeiramente extraordinário, é quase incrível. – Isto não pode continuar. – O sofrimento desta pessoa me compunge porque sem dúvida haveria uma saída para ela. – Isto é a verdadeira arte: nada aí é evidente por si mesmo. – Eu rio dos que estão chorando e choro dos que estão rindo”, diz-nos Brecht em: “Teatro de Diversão ou Teatro Pedagógico” em 1936. O efeito de distanciamento é conseguido magistralmente neste filme policial.

À medida que sua dependência aumenta daquela comunidade, eles começam a lhe exigir cada vez mais trabalho serviçal até lhe porem uma coleira com um chocalho, apensa uma roda de carroça que ela tinha que arrastar em Dogville. Não é assim que os jecas tratam uma vaca boa de leite?

Seja frágil numa sociedade qualquer, que ela te humilhará, te escravizará e te consumirá até a última gota de sangue... É o que lhe acontece inevitavelmente. Daí ser preciso um pouco de agressividade, que lhe faltava, durante a sua “via crucis” naquele mundo cão. Adotou a resignação estoicamente silente. Era a “Geni”, “que ia amiúde até com os velhinhos sem saúde...” E as crianças lhe tratavam como um cão vira-latas rabugento. “É impossível ser bom onde impera a maldade”, poetou Brecht.

Jean Chevalier e Alain Gheerbrant nos dizem: “Não há, sem dúvida, mitologia alguma que não tenha associado o cão – Anúbis, T’ian-k’uan, Cérbero, Xolotl, Garm etc. – à morte, aos infernos, ao mundo subterrâneo, aos impérios invisíveis regidos pelas divindades ctonianas ou selênicas”.

“A primeira função mítica do cão, universalmente atestada, é a de psicopompo, i.é., guia do homem na noite da morte, após ter sido seu companheiro no dia da vida. É também visto no folclore, provavelmente por influência do cristianismo, como animal maléfico”.

“Para o Islã, a imagem do cão, é aquilo que a criação comporta de mais vil. Apegar-se ao mundo é identificar-se a ele, devorador de cadáveres; o cão é o símbolo da avidez, da gula; a coexistência do cão e do anjo é impossível. O coração de um cão assemelha-se ao coração de seu amo”.

Dogville tem também o seu cão de guarda, chamado de Moisés. É o seu messias! O Redentor prometido por Deus para redimi-los, e à sociedade, estabelecendo uma nova ordem social de paz, de justiça e de liberdade. Que ironia mais mordaz! Ele rosna para nossa protagonista porque ela lhe rouba seu osso. Estava agindo conforme sua natureza de cão. E é poupado justamente por isso. Para que ele possa devorar os cadáveres dali? Sim, mas também, principalmente por ser o guardião deste inferno. Mas seus habitantes são piores do que os animais ditos inferiores. Onde estaria a sua humanidade? A escassez de bens e o medo dos mais fortes fazem os homens reduzirem–se a meros animais com inteligência superior.

Ali maldade é exercida calmamente. Quase ninguém grita com o outro neste filme. Grace – seria uma graça? -- parece uma madre Tereza de Calcutá, derramando sua bondade naquele deserto, onde a amargura é o seu oásis.

Cinema épico, literatura em nove capítulos e um prólogo, consegue levar o espectador a um grau de tensão insuportável, com um desfecho surpreendente e inevitável. Por quê não conseguimos sequer ter compaixão por aquelas crianças que são -- um argumento eugênico? -- trucidadas para que a humanidade melhore, diz-nos Grace? Adiantaria isso realmente de alguma coisa? Ela comanda uma verdadeira “limpeza étnica” naquela região das Montanhas Rochosas. “Humano, demasiado humano!” O que lhe fizeram e o que ela também fez com eles. Hobbesiano. Sádico. Darwinista. Nietzschiano. Freudiano... E por que não dizer brechtiano!

Humilhada, escravizada, estuprada por quase todos os homens, traída daquela forma por Tom, como se fosse uma mula, que outrora era consumida naquela mina abandonada. Uma descida aos inferos como diziam os antigos gregos. Logo ela que fora criada para ser arrogante...







DOGVILLE por Bernardo de Gregorio



O próprio título já nos revela o “mundo cão” onde a ação tem lugar: uma alegoria ao mundo material; um “samsara” feito de ilusão, onde não se pode ver as construções materiais, mas somente o elemento humano; a “cidade do diabo”. A partir desta primeira alegoria, revela-se a nós toda uma seqüência de metáforas que nos leva a uma relação direta entre Dogville e a história do Cristianismo e das idéias cristãs na alma humana.

Grace: a “Graça” de Deus, a iluminação que tem a capacidade de (re)unir a materialidade e o Espírito. Grace é uma espécie de reencarnação de Cristo, alguém que veio de um outro mundo com uma missão bem específica: a Salvação. Grace vem de Los Angeles, a “Cidade dos Anjos” e acaba perdida em algum canto empoeirado e esquecido das Montanhas Rochosas (entenda-se: “mundo material”) chamado Dogville (“cidade do diabo”). O cão da cidade se chama “Moses” (Moisés) e a recebe com bastante hostilidade e não quer de forma alguma “largar o osso”. Evidentemente, aos olhos judaicos, o aparecimento do Cristianismo não poderia ser bem acatado e os sacerdotes do templo, Saduceus atemporais, jamais vão “largar o osso” da religião, sempre tão rentável. Mas o animal tinha um motivo para não gostar dela, afinal ela havia roubado seu osso.

A cidade como um todo antes de aceitar a presença de Grace precisa fazer um debate e uma votação, após um período de teste, em que haverá serviço em troca de abrigo, vantagens em troca de bondade. Grace é levada a se esconder nas profundezas de uma mina de ouro abandonada, “descendo à mansão dos mortos”, para ressuscitar ao terceiro dia, tendo sido aceita na comunidade. Uma vez esta mina de ouro foi a fonte das riquezas da cidadezinha. Uma vez o ouro do Espírito foi trazido das profundezas da alma por sabedorias antigas. Mas esta mina foi abandonada e a cidade caiu no ostracismo. Mas a sabedoria da Antigüidade foi esquecida e a Humanidade caiu. Símbolo desta queda é a venda de maças ao “mundo exterior”, como uma das pouquíssimas fontes de renda do local. "E os que prenderam a Jesus o conduziram à casa do sumo sacerdote Caifás, onde os escribas e os anciãos estavam reunidos. E Pedro o seguiu de longe, até ao pátio do sumo sacerdote e, entrando, assentou-se entre os criados, para ver o fim (Mt 26:57-58)".

Grace está fugindo e pede ajuda. Na verdade, ela não está de fato fugindo de ninguém e isto fica bem claro na cena final, mas mesmo assim ela se apresenta como fugitiva. Por quê? O Ser Humano precisa acolher em si a Graça Divina de livre e espontânea vontade: a Graça não pode ser imposta. Grace vem falar aos corações de uma população esquecida e pedir ajuda acaba sendo a melhor maneira de oferecer ajuda. E de fato Grace oferece sua ajuda a cada um dos habitantes desta cidadezinha: arquétipos humanos atemporais e, de fato, ao se deixar ser ajudada ela faz emergir o melhor de cada um. E, de fato, o Cristianismo acabou sendo utópico nas primeiras fraternidades secretas do Século I, quando ainda era secreto e perseguido. Alegorias abundam: Grace, numa cena plasticamente muito bela, traz a luz à casa do cego e traz vida para o jardim desgastado; traz esperança para os que vagavam sem destino e alegria para as crianças, quando Grace ensina o estoicismo aos filhos de Vera, mostrando-lhes como suportar a pobreza e as frustrações sem revoltas. "Então os olhos dos cegos serão abertos, e os ouvidos dos surdos se abrirão. Então os coxos saltarão como cervos, e a língua dos mudos cantará; porque águas arrebentarão no deserto e ribeiros no ermo (Is 35:5-6)".




“Numa das muitas cenas estranhas e incômodas de Dogville”, diz-nos Michel Laub, “duas personagens conversam a respeito de bonecos de louça guardados no interior de uma igreja. Os bonecos ‘descrevem melhor a cidade do que qualquer palavra’, diz a narrativa em off, que em seguida pergunta: ‘Eles são bonitos ou horríveis?’. Para Grace, pelo menos àquela altura da trama, a alternativa correta parece ser a primeira. Para Tom, também assim parece. Em todos os casos está-se diante da contraposição da inocência e da brutalidade, normalmente encarnada num grupo de pessoas ‘comuns’, numa coletividade anestesiada pela pasmaceira provinciana. A inocência lentamente perderá a batalha, não se tenha dúvida, e até os ‘justos’ saberão revelar a sua face daninha. A câmera aparentemente neutra que assiste ao progressivo desespero dos personagens, à exposição de suas entranhas a uma luz de meio tom, rara como o sol dos países nórdicos. Antes de jogá-la sobre o cego, o aleijado, o bêbado, a família que se odeia e a gente que ‘raspa copos velhos para que pareçam novos’, Dogville põe Tom e Grace diante dos bonecos e faz a sua pergunta decisiva. Ao final do filme, não haverá nada mais violento do que a lembrança dessas palavras e do seu tom à sua maneira premonitório. Porque a questão posta por toda a obra de Lars von Trier é esta: vamos olhar os bonecos de perto. Vamos testar Grace? Vamos ver como ela reage quando é examinada tão minuciosamente? Vamos ver se o conceito que ela tem de beleza permanece o mesmo depois que os habitantes de Dogville mostram do que são capazes?”. A questão é: até que ponto o Cristianismo é capaz de acreditar na Humanidade e em sua capacidade de redenção? Até que ponto Cristo consegue levar seu papel de humildade sem que dele se irrompam as labaredas da cólera dos deuses?




Então aos poucos Grace desperta também em cada habitante o seu lado mais sombrio... Cada um vai mostrando o que há de pior na natureza humana, igualmente arquétipos universais. Os sete pecados capitais: a vaidade (Liz Henson), o orgulho (Jack McKay), a ira (Vera), a luxúria (Homem de chapéu grande), a avareza (Ma Ginger) e a inveja (Chuck). Dentre todos, o mais miserável aos olhos do espectador deve ser Tom (Thomas Edson Jr.) que desde o começo se arvora como o defensor de Grace, o auto-designado porta-voz da pequena comunidade, e acaba se revelando seu maior algoz. Tom é um Pedro que é capaz de negar Jesus bem mais que três vezes. Tom bem que poderia se chamar Paul, aludindo a São Paulo, por ser o intelectual que cria o laboratório do mundo de acordo com sua teoria para que seu “grande livro” seja escrito. Mas Tom se chama Thomas, talvez alusão a São Tomás de Aquino, Doutor da Igreja, intelectual que forjou a religião de forma filosófica. Tom é a própria Igreja Cristã: emergida da obscuridade e passando a ser a religião oficial do Império Romano. Igreja que rapidamente englobou e sobrepujou o império que a abrigou a se imortalizou como uma Roma Universal (“catholiké”) onde o novo imperador é o Papa. E é precisamente este Papa o que mais aviltará a Graça Divina, aquele que mais se aproveitará da imagem do Cristo e em nome da Salvação prostituirá a Igreja e não moverá uma palha para salvá-la ou redimi-la. Diz Mozart Cabral “à medida que sua dependência aumenta daquela comunidade, eles começam a lhe exigir cada vez mais trabalho serviçal até lhe porem uma coleira com um chocalho, apenas uma roda de carroça que ela tinha que arrastar em Dogville. Não é assim que os jecas tratam uma vaca boa de leite?”.

A Graça Divina é então abusada, usurpada, prostituída, achincalhada, humilhada e (literalmente) avacalhada. Acima de Grace se colocam todas as demais personagens, o que inclui os trocadilhos dos nomes de Glória (o Poder Social, a “Fama”) e Vera (Verdade da Natureza Humana). Numa revelação final, num “apokalipse”, Grace é resgatada por seu pai. Este pai “todo-poderoso” é um gangster que invade a cidade com seus capangas. Este é Deus-Pai que vem impor pela força o que Cristo não conseguiu incutir pelo amor. “Nesse momento”, diz Alexandre Busko Valim, “ela e o pai dialogam sobre a soberbia: ela quer o perdão para os habitantes da cidade, como se dissesse ‘eles não sabem o que fazem’. Deus a acusa de soberbia por fazer a concessão de perdoar quem lhe é inferior e lhe impingiu tanto sofrimento. Grace diz que o pai é soberbo devido à sua vontade de vingança e pede poder, que lhe é concedido, para salvar Dogville. Entretanto, ao sair do carro, e ouvir Tom ‘o intelectual’ dizer que escreveria sobre o que se passou, que aquilo seria passível de análise, ela se desilude com a humanidade e purga Dogville com o aniquilamento. A esperança que Grace tinha na humanidade se perde quando os que realmente poderiam fazer algo, o titubeante Tom, não fazem e reafirmam sua hesitação e passividade; uma crítica ao papel dos intelectuais como operadores sociais, que reforça a opinião do diretor: a humanidade não tem salvação”.






A redenção, no entanto, a esperada “salvação” tem que vir então através de uma forma mais agressiva: a cólera dos deuses. A justiça divina é feita pela mão de Deus-Pai e seus anjos (ou Cavaleiros do Apocalipse), porém é feita de acordo com as instruções de Cristo que retorna como o “Leão de Judá”. A paciência de Jesus não é infinita e o “oferecer a outra face” se esgotou. Chega de brincadeiras no “mundo cão” mesquinho: agora o joio será separado do trigo e a materialidade será colocada de acordo com os ditames do Espírito, custe o que custar. E o custo é um enorme derramamento de sangue. Todos os arquétipos são destruídos, assim como a Natureza Humana (Vera) destruiu seus ideais (as estatuetas de louça). Os filhos de Vera caem um a um sob o olhar atento da mãe que lhes deu vida, vítimas do mesmo estratagema criado por ela própria. A Natureza Humana reencontra sua “verdade”. "Depois virá o fim, quando tiver entregado o reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo o império, e toda a potestade e força” (I Co 15:24).





A palavra apocalipse (termo primeiramente usado por F. Lücke em1832) significa, em grego, "Revelação". Um "apocalipse", na terminologia do Judaísmo e do Cristianismo, é a Revelação Divina de coisas que até então permaneciam secretas a um profeta escolhido por Deus. Por extensão, passou-se a designar de "apocalipse" aos relatos escritos dessas revelações. "E da parte de Jesus Cristo, que é a fiel testemunha, o primogênito dentre os mortos e o príncipe dos reis da terra. Àquele que nos amou, e em seu sangue nos lavou dos nossos pecados, E nos fez reis e sacerdotes para Deus e seu Pai; a ele glória e poder para todo o sempre. Amém" (Ap 1:5-6). “De maneira bastante moralista”, diz Alexandre Busko Valim, “o filme afirma repetidamente, e de forma agressiva, que todos somos responsáveis pelos nossos atos, e se temos problemas é porque não fazemos o suficiente para resolvê-los. Assim, nossa ignorância e ausência de um verdadeiro interesse pelo coletivo, ilustrado em várias passagens, é a alavanca que causa dor e sofrimento a nós mesmos”. Este “supra-sumo” ético do filme é, em última análise, o cerne do Cristianismo e também, diga-se, de muitas outras religiões: eis a Graça Divina em si. “Em Dogville, Lars von Trier apresenta uma percepção pessimista da humanidade”, continua Alexandre Busko Valim, “onde impera o cinismo, a hipocrisia, a chantagem, a vingança, a mentira e a divina Grace, sem nenhum desejo de conceder o perdão, desencadeia o ‘Dia do Juízo Final’.”


21 julho 2008

O Daimon de Fausto







A palavra demônio vem do grego "daimon" e na mitologia era utilizada para denominar um poder sobrenatural. Homero usa daimon do mesmo modo como usa Theos (Deus), ambos para enfatizar a personalidade de Deus. Desde que daimon era usado para designar o autor de qualquer fenômeno não atribuído à divindade alguma em particular, acabou por se tornar o poder que determinava o destino do homem. Ou seja: cada ser humano tem o seu demônio particular. Segundo Hesíodo, os mortos da Idade do Ouro se transformavam em demônios. Posterior especulação filosófica dava os demônios como superiores aos mortais mas inferiores aos deuses. A partir daí não é difícil compreender porque os cristão antigos atribuíam as ações dos demônios aos anjos caídos que haviam se revoltado contra Deus.

Nos séculos XV e XVI vulgarizaram-se na Alemanha os Deutsche Volksbücher, livros de histórias e lendas mais ou menos fantásticas, sobre personagens reais ou míticas, como por exemplo Siegfried, Alberto Magno, Frederico Barba Roxa ou a Fada Melusina. Um dos mais famosos, cujo manuscrito surgiu por volta de 1580 e acabou por ser impresso em 1587, é uma biografia romanceada do Doutor Fausto e intitula-se Historia und Geschicht Doctor Johannis Faustj . Mais tarde, em 1620, o manuscrito foi adquirido pela importante biblioteca do Duque Augusto de Wolfenbüttel e passou a ser designado entre os eruditos como «manuscrito Wolfenbüttel». Desde muito cedo, porém, a edição impressa desse Volksbuch (conhecida como Das Faustbuch, 1587), teve uma divulgação meteórica e foi lida por toda a Europa, salientando-se uma tradução inglesa, da autoria de P. F. Gent (1592), com o título Faust Book: “Historia” & Tale Of Doctor Johannes Faustus (Jones 1994).

O Doutor Johann Faust, médico, filósofo, necromante e astrólogo alemão (?- ca. 1540) celebrizou-se pelo seu pacto com o Diabo, a quem vendeu a alma em troca do poder (potestas) e do conhecimento (scientia) — tal como, antes dele, o diácono Teófilo e Frei Gil de Santarém.

Uma outra característica de Fausto, em que tão-pouco é original, está na sua relação com um espírito demoníaco a quem chamava Schwager («amigo íntimo, velho camarada»), e com o qual entretinha uma ligação convivial tal como Sócrates com o seu daimon. São bem conhecidas as passagens nos diálogos de Platão em que Sócrates define os daimones e descreve o convívio com esses seres sobrenaturais, forças interiores entre os deuses e os humanos com algumas características irracionais mas domesticadas pela razão, e que acompanham a vida de cada pessoa, como guias e conselheiros pessoais, para ajudarem a pessoa a cumprir o seu destino — cf. Por exemplo: Apologia de Sócrates (27c-e), Crátilo (397e-398c), Banquete (202d-e), Fédon (107c-d, 108a-b), República (620d-8), etc.

O primeiro encontro entre Fausto e o tal demônio que se tornou seu companheiro ocorre logo no capítulo II do Faustbuch, quando Fausto se dirige a uma densa floresta chamada Spesser Wald, situada perto de Wittemberg, e, mediante fórmulas mágicas, figuras de feitiçaria e esconjuros realizados entre as nove e as dez horas da noite, numa encruzilhada da floresta, conseguiu que lhe aparecesse enfim, após vários prodígios alarmantes, um espírito diabólico sob a aparência de um frade franciscano. Nos capítulos seguintes sucedem-se vários encontros, os últimos já em casa de Fausto, e em dado passo o demónio confessa que não pode outorgar a Fausto todos os poderes que este desejaria porque tem de se submeter ao Senhor dos Infernos, Lúcifer, mas ao fim de várias negociações Fausto dá-se por satisfeito com as condições e as vantagens que finalmente obterá, e acede em assinar um pacto com o próprio sangue: abriu uma veia no pulso esquerdo, fez escorrer o sangue para um almofariz, meteu-lhe uns carvões em brasa e escreveu uma obligatio que o Faustbuch reproduz no seu capítulo VI. Com isto, assegurou-se dos serviços incondicionais do demônio, cujo nome veio a conhecer: Mefistófeles. Este nome deriva do grego Mephostophilis e significa aquele que odeia a luz.

Inúmeros místicos iluminados, como Samael Aun Weor, vêem na obra de Goethe a mão inconfundível de um Iniciado esclarecido, e percebem plenamente o grande significado cósmico nela contido. Devemos entender que a história de Fausto é um mito tão antigo quanto a humanidade. Goethe apresentou-a envolta numa verdadeira luz mística, iluminando um dos maiores problemas da Filosofia, o Mito do Salvatur Salvandus "travestido" como "O Tentador", "O Insuflador da Rebeldia Interior contra o Adormecimento e a Ingenuidade Irresponsável da Essência Humana". Esse Tentador é representado pelo Diabo, chamado nessa obra de Mefistófeles.

Na monumental e absolutamente prospectiva obra de Goethe, Mefistófeles diz a Fausto: "Com essa dose no corpo, logo vês Helena de Tróia em qualquer mulher". Fausto, I, 2603-4. Nesse momento, Fausto estava paralisado pela fascinação da imagem de Helena refletida em um espelho. Segundo a Psicologia Analítica, teoria de Carl Gustav Jung, este efeito "Helena" refere-se à Ânima arquitípica. Trata-se da personificação de uma produção espontânea do inconsciente. Como é inconsciente, esse arquétipo caracteriza-se pela sua autonomia em relação ao ego, produzindo fenômenos problemáticos, tanto no âmbito do relacionamento com o sexo oposto, quanto na intimidade do indivíduo. Nos sonhos de um homem, por exemplo, a anima pode surgir como uma mulher desconhecida. O mesmo dando-se com uma sonhadora com o seu Ânimus. A relação do sonhador com o arquétipo da alteridade indica como está o relacionamento do sonhador com o seu oposto complementar.

Ânimus: é a personificação do aspecto masculino na mulher. As ocasiões em que um Ânimus domina uma mulher, como em uma perturbação de humor, ele cria opiniões e convicções gerais, estereótipos, que a mulher dificilmente consegue distinguir de suas próprias formulações quando mais calma. O desenvolvimento da psique se dará com uma relativa diferenciação do ego em relação ao Ânimus. A mulher conseguirá perceber então a diferença de suas próprias opiniões para as convicções do Ânimus.

Ânima: é a personificação do aspecto feminino no homem. Quando "possui" um homem, a anima se expressa através de humores tipicamente femininos. O homem não conseguirá dominar-se, sendo presa de emoções indomáveis no momento, fazendo-o realizar coisas que normalmente não faria em sã consciência.

O tema da Ânima e do Ânimus nos leva à questão do Súcubus e do Íncubus. Súcubus é o nome que se dá ao ataque de um demônio masculino e Íncubus, seu complementar, é o nome do ataque de um demônio feminino. Este tema habita o imaginário da Humanidade há milênios e é constantemente relatado por “vítimas” deste mal, por escritores e por registros históricos.

Inicialmente é preciso ficar claro que Súcubus e Íncubus são diagnósticos médicos classificados pela Psiquiatria como um tipo especial de neurose histérica e a priori nada têm a ver com religião ou crença. Estes "ataques", normalmente de cunho sexual, ocorrem durante a noite, no meio do sono quando o indivíduo acorda sentindo-se paralisado, com sudorese intensa, taquicardia, sensação de opressão no peito e angústia, referindo uma sensação gélida na face. No caso de homens, é comum a ereção peniana e, por vezes, ejaculação (polução noturna). Esta situação é, digamos, "aparentada" ao terror noturno e acontece mais freqüentemente em homens entre 17 e 20 anos e em mulheres entre 35 e 45 anos. Existe a associação destes "ataques" a situações de repressão sexual ou a longos períodos de abstinência, mas estas associações não são obrigatórias. A maiopr incidência destes “ataques” nestas faixa etária é atribuída ao pico da sexualidade para cada sexo.

Na História encontram-se relatos de "ataques demoníacos" idênticos desde períodos remotos, como o da Antiga Suméria, passando pela Babilônia, Assíria, Egito, Israel, Grécia e Roma e tendo sido minuciosamente estudados durante a Idade Média e Renascimento por "peritos" da Igreja. É justamente destas descrições católicas que provém os nomes "Súcubus"e "Íncubus", inevitavelmente associados à bruxaria (Maleficium) e a pactos com o demônio. Muita gente terminou na fogueira por causa disto... Mesmo sociedades afastadas do Mediterrâneo, como culturas aborígines australianas, de Papua ou indígenas sul e norte americanos, descrevem com freqüência estes "ataques" demoníacos.

Estudando-se Mitologia e Demoniologia, sabe-se que Íncubus são mais freqüentemente atribuídos a Lilith. O modelo feminino permitido ao ser humano pelo padrão ético judaico-cristão baseia-se no de um fragmento do ‘primeiro ego’, que seria Adão. Vários textos históricos, no entanto, citam uma variante, a criação de Lilith, a primeira mulher, feita em igualdade de condições com o primeiro homem, e expulsa do Paraíso por tentar fazer valer essa igualdade. Não se sabe com certeza de que forma a lenda de Lilith, esta primeira companheira de Adão, foi banida da versão Bíblica da Igreja. Mas indo às Escrituras hebraicas poderemos encontrá-la como uma mulher feita de pó negro e excrementos, portanto, condenada a ser inferior ao homem. No fundo, Lilith já fora criada como um demônio, tendo gerado, juntamente com Adão, outros seres iguais a ela, que se vingam contra a humanidade . Essa natureza satânica é, por assim dizer, uma advertência do que a cultura rabínica e patriarcal nos faz com relação àquela que perturbou a noite toda o sono de Adão: Lilith, feita de sangue (menstruação) e saliva (desejo), é expressão de fatalidade. Neste ponto, Lilith é mais fiel ao protótipo da mulher do que a submissa Eva, embora ambas tenham sido veículo do pecado. Só que a recusa ao desejo, ao sonho erótico que subtraiu a porção divina de Adão chega, com Lilith, a extremos surpreendentes após a separação deste casal.

O alfabeto Bem Sirá (século VI ou VII) conta que Lilith, inconformada com a situação de desigualdade vivida com Adão, questiona: "Por que devo deitar-me embaixo de ti? Por que ser dominada por você? Contudo, eu também fui feita de pó e por isso sou tua igual." E Adão, ciente da supremacia do homem, nega-se a mudar a ordem. Lilith revolta-se, pronuncia o nome mágico de Deus, acusa Adão e vai embora. Voa para as margens do Mar Vermelho, onde passa a viver em promiscuidade com os diabos, gerando cem demônios por dia, os chamados Lillim. E lá ela se transforma e assume seu tenebroso destino, seduzindo homens em seu sonho, espalhando a morte, pois foi declarada guerra ao Pai.

Encarnando o feminino negativo, Lilith transfigura-se, posteriormente, em inúmeras deusas lunares (Ihstar, Astarte, Isis, Cibele, Hécate), arquétipos das forças incontroláveis do submundo – a Lua Negra. Até ser personificada pela bruxa, na Idade Média, contra a qual o homem moveu uma das mais sangrentas perseguições de toda a sua história. Mas existem muitas outras histórias sobre Lilith. Dizem que ela significa a outra ou o outro num triângulo amoroso. Para os assírios, era considerada um demônio. Alguns estudiosos dizem que ela era a mulher de Samuel, da qual surgiram as imagens de Adão e Eva. No Zohar também é assimilada como a rainha dos demônios que incitava os homens. Na Kabala, pode corresponder ao 10º sefiroh, Malkuth, que reina no submundo e na escuridão, incapaz de contatar com Deus, sempre sujeita a tentações e frustrações.

Já os Súcubus são atribuídos a demônios masculinos "menores" como Asmodeus, Baal e Belzebu. Asmodeus era o demônio hebreu da sensualidade e luxúria, originalmente "criatura do julgamento"; Baal, ou Baalberith, demônio canaanita da convenção e Belzebu, ou Beelzebuth, demônio hebraico das moscas, tomada do simbolismo do escaravelho. Parece ser mais raro que Súcubus sejam atribuídos a um demônio "maior", os famosos "três irmãos": Lúcifer, Satã e Ahriman. O chamado “irmão mais velho” é Satã, ou Samael, originalmente um Serafim, cujo amor a Deus era o maior do universo, passando a eternidade ao lado do Senhor. Tendo sido ordenado a todos os anjos que descessem à terra para cuidar da Humanidade, Satã recusa-se a obedecer, alegando que seu amor por Deus sobrepujava sua obediência. Como castigo, Satã foi condenado à queda e a passar o resto de sua existência afastado da presença de Deus. Como vingança, Satã, aquele que sofre, impinge dor e sofrimento aos humanos. Por essa razão, com certeza, o "ataque" mais agressivo e doloroso é o de Satã, que costuma usar de "técnicas" sadomaquistas em seus interlúdios noturnos. O contato com Lúcifer é, ao contrário dos demais "ataques", percebido pela "vítima" como um contato extremamente agradável e sensual, levando até mesmo a uma certa "dependência" transcendental. Isto acontece porque nos conta o mito hebraico que Lúcifer, o Portador da Luz, a Estrela da Manhã, era o mais belo dos anjos, na verdade um Arcanjo, e recusou-se a cuidar da Humanidade por se achar superior a esta tarefa. Como punição, Lúcifer é condenado a habitar as entranhas da Terra, onde criou para si um mundo de luz e calor, de onde arrebanha legiões de demônios que lutam a seu favor e alicia almas humanas propondo-lhes pactos e oferecendo-lhes prazer sensuais. Lúcifer luta pela liberdade e pleo prazer sem esforço e deseja, em sua revolução, que todos os espíritos se libertem da tirania de Deus e sua Hostes. Lúcifer, transformado em serpente, ainda foi o responsável pelo Pecado Original que levou à queda a humanidade. Já Ahriman parece ser o menos afeito de todos a “ataques” demoníacos. Sendo o Senhor das Trevas, originalmente um Querubim, Ahriman rege a matéria e a materialidade, impulsionando a Humanidade a esquecer de suas origens divinas, aprosionando-a a seu corpo e ao mundo físico. Desta forma, realmente não seria muito lógico que usasse de artimanhas psíquicas para exercer seus poderes sobre Humanos.

O Mal parece insistir em habitar a alma humana ao longo de tantos milênios de História e parece mesmo ter se tornado a marca registrada da Humanidade. O que é o mal? De onde provém? Como eliminá-lo de nossas vidas? A resposta a essas questões não é nem um pouco simples de ser encontrada e sua busca ronda a mente humana há tanto tempo quanto o próprio Mal e constitui uma matéria de interesse chamada Ética. Neste campo, Platão nos narra em seu texto “Apologia a Sócrates” que este afirmou que “ninguém faz o Mal deliberadamente, se o faz, é por ignorância”. Aquele que conhece a Ética, e ela só se deixa conhecer através da Razão, jamais teria o direito de praticar o Mal, ou até pior: não se consegue praticá-lo se se tiver plena consciência de sua existência.

Aristóteles define em seu livro “Ética a Nicômaco” que qualquer Ser Humano tem um grande e único objetivo em sua vida: ser feliz. O grande problema é que cada um de nós, erroneamente, elege um meio pelo qual pretende atingir no futuro esta felicidade. Uns imaginam que seria através de riquezas; outros, pelo poder; outros ainda pelo prazeres sensórios ou pelas paixões. Todos erram pelo simples fato de que a felicidade não repousa jamais num futuro que seria atingido através de um certo meio. A felicidade é dada e habita inequivocamente o momento presente, tenhamos nós riquezas ou não, poderes ou não, prazeres e paixões ou não; aliás, normalmente ela está afastada destes itens.

Na tradição judaico-cristã se tem o conceito de Sete Pecados Capitais. Aqueles que os cometerem estarão condenando suas almas ao inferno. Na verdade, esta é apenas uma maneira antiga de apontar os sete erros mais comuns que as pessoas cometem em sua busca pela felicidade. São eles: a ira, a inveja, a preguiça, a soberba, a gula, a avareza e a luxúria. Estas são as paixões que seduzem e põem a perder a felicidade humana. Não que nós não tenhamos todos e cada um deles bem lá dentro de nossas almas: isto é normal e saudável, mas o pecado capital é entregar sua vida ilimitadamente a uma destas paixões. Como podem estes pecados capitais serem saudáveis? Bem, os nomes adotados para definir estes pecados são em si superlativos, ou seja: se tivermos no lugar da ira, apenas raiva expressa de maneira canalizada e dirigida para nossa auto-proteção; em vez de inveja destrutiva tivermos o que eu chamo de “inveja positiva”, que na verdade é admiração; se em troca da preguiça adotarmos apenas o relaxamento e a despreocupação; se substituirmos a soberba por um orgulho de si, por um amor próprio; se houver nutrição e sabor no lugar da gula; ponderação no lugar da avareza e prazer no lugar da luxúria, nossas almas estarão salvas e saudáveis e estaremos mais perto da felicidade.

Estes “pecados”, estas paixões, na verdade existem em nós como resquícios de instintos animais muito claros. O problema é que nos animais estes instintos são regidos por forças naturais equilibradoras dadas pela restrição de oferta e pela lei da seleção natural. No Ser Humano, devido ao advento da consciência e dos meios de produção, estas forças naturais foram minimizadas ou de alguma forma contornadas. Eis o Pecado Original: o fruto da árvore do conhecimento do Bem e do Mal. Na nossa sociedade então, a anulação de tais forças naturais chegou a um nível jamais visto antes. Em decorrência, o extravio da felicidade também. Nossa sociedade não é mais má do que foram as sociedades anteriores, porém exerce sua maldade com maior eficiência. Igualmente nossa sociedade não é menos feliz do que foram as suas predecessoras, mas espera uma quota de felicidade muito maior e, geralmente, de alguma fonte que jamais poderá supri-la. Somos todos malvados e infelizes, tendo nas mãos, paradoxalmente, instrumentos que jamais a Humanidade teve para ser mais feliz do que nunca. Se pensarmos que atualmente um terço da Humanidade passa fome e vive abaixo da linha da pobreza e se somarmos a este fato a informação de que outro terço da mesma Humanidade sofre com doenças provocadas pela obesidade, teremos uma idéia do que eu estou dizendo.

Santo Agostinho não admitia a existência do Mal. Isto porque ao admiti-lo teria que forçosamente admitir que o Mal foi criado por Deus, uma vez que é o Criador absoluto do Universo. Sendo assim lançou mão de um conceito duvidoso: o chamado Privatio Boni, ou seja, a ausência do Bem. Deus é Bem supremo, mas permite a cada um a liberdade de aceitá-lo ou não. Aqueles que o rejeitam se condenam a uma situação de desgraça e vivem na “ausência do Bem”, o que é comumente chamado de “mal”. Muito tempo mais tarde, o Psiquiatra e Filósofo suíço Carl Gustav Jung rejeitou este pensamento, entendendo que o mal existe por si e com certeza faz parte da alma humana. Jung ironiza dizendo que quem preferir, pode chamar o mal de “ausência do Bem”, mas isto não altera sua essência. O Mal é tudo o que está guardado e reprimido em nós, o Mal são as paixões, o Mal é não perceber o Outro, o Mal é o nosso medo do futuro, o Mal são os monstros de nossos pesadelos, o Mal são as catástrofes naturais. Ao conjunto de tudo o que é mau e habita nosso Inconsciente, Jung deu o nome de “Sombra”. Sobre este tema, sua discípula e amiga, a psiquiatra Marie-Louise von Franz escreveu o livro “A Sombra e o Mal nos Contos de Fada”, onde demonstra, através de estórias e mitos milenares, a existência do Arquétipo do Mal. Porém, neste livro compreendemos que o mal não é vão, o Mal existe para mostrar-nos, por contraste, a existência do Bem. O que seria de uma estória que falasse de uma bela princesa num reino distante que encontrou seu príncipe encantado e apenas viveu com ele feliz por muitos anos? É necessária a existência de uma bruxa, de um dragão, de um gigante ou de um ogro ao menos! Porém a própria vida sempre se incumbe de fazer cruzar nossos caminhos com o de algum destes monstros arquetípicos e não me parece nem um pouco necessário que nós aumentemos tanto assim a população desses “bichos papões”.

Ainda hoje me perguntaram o que eu considero “perversão”. Minha resposta foi que perversão é torturar gente nas prisões, é lançar aviões repletos de passageiros contra prédios altos cheios de gente trabalhando, é jogar bombas atômicas sobre cidades inteiras, é concentrar a renda mundial para que uma meia dúzia possa andar de iate enquanto milhões morrem à mingua, é inventar e vender drogas psicotrópicas cada vez mais potentes para uma juventude alienada, é ficar contente com uma população imbecilizada porque ela é mais fácil de ser manobrada, é convencer um monte de gente infeliz que ao injetarem substâncias tóxicas e cancerígenas em seus corpos elas serão mais amadas por suas formas pseudo-robustas, é entupir a população com gorduras em excesso e depois torturá-la com cirurgias desnecessárias, é vender sexo no lugar de amor, é destruir um país para surrupiar suas riquezas naturais. Eis os Sete (ou mais) Pecados Capitais em sua roupagem de Século XXI.

O pensamento típico do Mal sempre é “não é comigo, é com ele”, “eu vou me dar bem e ele que se dane”, “eu quero mais é que ele se ferre”, “eu sou superior e tenho direito a usar os que são tolos e se deixam enganar”. A única maneira de se resolver tudo isso é mostrar de uma vez por todas a esta espécie degenerada chamada de Ser Humano, que a felicidade já lhe foi dada e está na aceitação de si mesmo, na compreensão de que o Outro tem direito a ela tanto quanto ele, na aceitação das condições da vida, na contemplação da beleza do momento presente e da alegria de viver, no respeito à Criação, na liberdade de expressão, na criatividade e no contato inter-humano. Quando vamos entender que a Humanidade é una e que cada qual é interdependente e o egoísmo obstinado não nos levará se não à auto-destruição? Quando vamos perceber que cada um de nós só é capaz de fazer tanto o Bem quanto o Mal a uma única pessoa na face da Terra: a si próprio! Poderíamos resumir tudo isto em uma única frase: “amai-vos uns aos outros” ou ainda “ama teu próximo como a ti mesmo”.